Para além da Liturgia e do Poder

Milton R. Medran Moreira*
"Na religião o que há de real, essencial, necessário e eterno é o Cerimonial e a Liturgia - e o que há de artificial, de suplementar, de dispensável, de transitório é a Teologia e a Moral." - Eça de Queirós.
A Praça de São Pedro recebe papa francisco, em sua posse oficial como pontífice. Crédito:http://revistaartforumcultural.blogspot.com.br/2013/03/papa-francisco-inicia-missao-em-prol-da.html

Fosse quem fosse, o escolhido como novo Papa, dentre os 119 cardeais participantes do conclave, naquele 13 de março, a multidão presente na Praça de São Pedro explodiria em aplausos, ao seu anúncio.
O aparecimento da fumaça branca na chaminé da Capela Sistina, em qualquer circunstância, encontra a massa em estado de quase êxtase. Gritos, choros, risos... Uma explosão de patéticas emoções é registrada, no momento em que o mais velho dos cardeais proclama “Habemus Papam”, declinando, a seguir, o nome do eleito. A partir de então, seja ele quem for, merecerá o tratamento de “Santidade” e tudo o que em nome da fé disser, estará revestido de verdade, porque a infalibilidade o acompanhará na vida, até a morte ou até a uma eventual renúncia.
Assim foi e assim continua sendo numa sociedade movida pela espetacularização e que, segundo o pensador Wilson Garcia (leia sua “Crônica do Sagrado” em CCEPA Opinião, de abril/2013 - http://ccepa-opiniao.blogspot.com.br/ ), não sobrevive sem a presença de fortes signos icônicos. A Igreja sabe disso e, valendo-se da condição, historicamente construída, de administradora e guardiã do sagrado, utiliza-se largamente da simbologia, do fausto, do mistério e da pompa, em circunstâncias assim. Isso também é garantia de prestígio e de poder.
Estaria o Papa Francisco disposto a quebrar essas tradições? Deseja mesmo, conforme sugerem algumas de suas primeiras atitudes como novo pontífice, abrandar as pompas, reduzir o luxo, tornar, enfim, mais simples a instituição que dirige? E, se realmente o quer, conseguirá? Não estarão esses signos e práticas de tal forma entranhados na alma da Igreja e de seus fiéis a ponto de tornar impossível sua remoção? Talvez sejam, em suas instâncias superiores, bem mais fortes as correntes desejosas da manutenção deste “status quo”, em sentido contrário, pois, ao expresso desejo do novo chefe. Provavelmente, também a grande massa de fiéis prefira o luxo à pobreza, o mistério à verdade, a pompa à simplicidade. Entre nós, o carnavalesco Joãozinho Trinta celebrizou o conceito de que quem gosta de miséria é intelectual. Povo, dizia, gosta mesmo é de luxo. Valeria isso também para o autodenominado “povo de Deus”?
Todas essas questões interessam vivamente a nós, espíritas. Diversamente das igrejas e das religiões, buscamos uma espiritualidade sem ritos e liturgias, sem pompas nem sacerdotes, privilegiando a essência sobre a simbologia, o livre pensamento em vez do dogma. Reconhecemos que há, também na Igreja, setores com essa tendência. Mas até que ponto serão capazes de enfrentar todo o aparato histórico construído sob aquela pesada atmosfera? As instâncias de poder ali sobrepostas teriam levado o anterior Papa à renúncia, confessandose sem forças para cumprir sua tarefa. Se para seu antecessor, o essencial estava na teologia e na disciplina institucional, Francisco demonstra privilegiar o exercício de virtudes como simplicidade e solidariedade.
Eça de Queirós pode ter sido demasiadamente cáustico ao afirmar ser a moral sempre secundária na religião que privilegiaria, ao contrário, o cerimonial e a liturgia. Não se duvida, entretanto, de que pompa e poder tendem a sufocar a mensagem, tal como o joio o faz com o trigo.
Só a História há de demonstrar a que norte Francisco poderá levar sua Igreja. Se sua política e os resultados concretos de suas ações contrariarem a afirmativa do autor de “O Crime do Padre Amaro”, a espiritualidade terá avançado sobre a religião. E nós, espíritas, saudaremos esse avanço.

Milton R. Medran Moreira
Jornalista e advogado. Presidente do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre     

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