EM NOME DA FÉ, O MASSACRE DE UM POVO REENCARNACIONISTA, OS CÁTAROS


Em junho de 1209 um exército de trinta mil cavaleiros e soldados a pé do norte da Europa desceu como um redemoinho no sopé da montanha Languedoc-nordeste dos Pireneus, em que é hoje o sul da França. Na guerra que se seguiu todo o território foi devastado, as lavouras foram destruídas, as cidades foram destruídas, uma população inteira foi morta à espada. Estima-se que, em Béziers, nada menos que 20 mil pessoas tenham sido mortas – praticamente toda a população da cidade. Depois disso, os cruzados destroçaram Carcassonne, Bram, Minerve, Termes e Lavaur, ignorando quaisquer tentativas de rendição. Como recompensa pelo extermínio dos hereges, os cruzados ganharam o perdão pelos seus pecados – e puderam repartir entre si as riquezas e terras do Languedoc. A carnificina só parou em 1229, quando foi celebrado o tratado de paz de Meaux-Paris, entre Raimundo VII de Toulouse e o rei Luís IX da França. O extermínio ocorrido em tão grande escala tão terrível que ele pode muito bem constituir o primeiro caso de “genocídio” na história da Europa moderna.

Os Cátaros viviam na região do Languedoc

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Nos meados do século XII, iniciou-se na Itália um movimento religioso denominado Cátarismo (Albigenses), a doutrina dos cátaros era nitidamente diferente da Igreja Católica, numa reação à Igreja Católica e suas práticas, como a venda de indulgências, e a soberba vida dos padres e bispos da época.

“Cátaros” e “Albigense”, eram essencialmente nomes genéricos. Em outras palavras, eles não se constituíam em uma única igreja coerente, como a de Roma, com uma codificada e definitivo corpo fixo de doutrina e teologia. Os cátaros admitiam a doutrina da reencarnação e ao reconhecimento do princípio feminino em religião. Os pregadores e professores das congregações cátaros eram de ambos os sexos. Ao mesmo tempo os cátaros rejeitaram a ortodoxia da Igreja Católica e negaram a validade de todas as hierarquias clericais, e todos os oficiais ordenados intercessores entre Deus e o homem. No cerne desta posição estabeleceram uma importante doutrina cátara de repúdio a “fé” católica… os cátaros insistiam no conhecimento direto e pessoal, uma religiosidade ou mística apreendida na experiência em primeira mão. Esta experiência tem sido chamado de gnose , da palavra grega para “conhecimento” e para os cátaros tomou precedência sobre todos os credos e dogmas. Dada tal ênfase no contato pessoal e direto  com Deus, sacerdotes, bispos e outras autoridades eclesiásticas se tornaram supérflua.

Com medo da repressão da Igreja, os Cátaros mantiveram sua fé em segredo, porém em pouco tempo esta seita atraiu muitos seguidores. Cresceram bastante no sul da França e se estenderam a região do Flandres e da Catalunha, funcionaram abertamente com a proteção dos poderosos senhores feudais, capazes de desafiar até mesmo o Papa. O chamado “País Cátaro” se estendia pela atual Languedoc, em uma extensão fronteiriça com Toulouse até o oeste, nos Pirineus até o sul, e no Mediterrâneo até o leste.

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A Inquisição surgiu de um esforço pelo Papa Inocêncio III para acabar com a grande seita herética no sul da França, conhecido como os “albigenses”. Inocêncio III apelou a uma cruzada particular em 1209 para entrar em França e acabar com a seita. A guerra de cinco anos, que se seguiu, devastou a região. Dez anos depois, um novo Papa, Gregório IX, continuou a ação. Ele colocou os dominicanos encarregados de investigar os albigenses. Gregório IX deu a Ordem Dominicana plenos poderes legais para nomear e condenar todos os hereges sobreviventes.

Papa Inocêncio III e Papa Gregório IX

A Cruzada Albigesa (devido à cidade de Albi), comandadada por Simon de Montfort (1209 – 1224) e pelo Rei Luis VIII (1226-1229) durou 40 anos, de 1204 a 1244.

A perseguição arrasou a região dos Cátaros, a resistência teve que enfrentar-se com duas forças enormes, o poder militar do Rei de França e o poder espiritual da Igreja Católica.

Simon de Montfort e Rei Luís VIII

Na primeira fase da cruzada, foi destruída a cidade de Béziers (1209)

Mais de 20 mil civis foram massacrados sem piedade nas cercanias da cidade de Béziers, com 7 mil assassinados no recinto da catedral, para onde haviam fugido em busca de abrigo. Pierre dês Vaux-de-Cernay, um cronista da época, afirmou que o massacre foi um castigo pelos pecados dos hereges da cidade e pela blasfêmia cátara contra Maria Madalena, em cujo dia de festa oficial, 23 de julho, teve lugar à matança.

Igreja de Santa Maria Madalena

“Os cruzados não mostravam clemência. Mulheres e crianças amontoaram-se na igreja de Santa Maria Madalena, na parte alta da cidade”, escreve o historiador canadense Stephen O’Shea em A Heresia dos Cátaros. “Deveriam ter sido à volta de mil, um cálculo baseado na capacidade da igreja. Fossem quantos fossem, a igreja estava apinhada de aterrorizados católicos e cátaros quando os cruzados derrubaram os portões e massacraram todos os que ali se encontravam”, completa. Em 1840, durante uma reforma do templo, várias ossadas foram descobertas sob o piso.


Destruída a cidade, os cruzados marcham para Carcassone, onde Simon de Montfort se apossa dos condados de Trencavel (carcassone, Béziers), conquistando também Alzonne, Franjeaux, Castres, Mirepoix, Pamiera e Albi. Estima-se que 60.000 pessoas morreram nesta primeira fase.

Carcassone

Em 1216, ouve outra investida contra os cátaros. Simon morre em 1218, acabando também a cruzada, sem, entretanto, extinguir a heresia.

Em 1224 Luís VIII liderando os barões do norte, empreendeu uma nova cruzada que durou cerca de três anos alcançando muitas conquistas até chegar a Avignon, onde termina o cerco contra os hereges.

O resultado dessa disputa foi um acordo imposto pelo rei da França aos Senhores feudais das áreas conquistadas e consequentemente os domínios disputados passariam para a coroa da França (Tratado de Meaux, 1229).

Militarmente, apesar de terem o apoio de pequenos condados, os cátaros não conseguiram resistir ao genocídio das cruzadas, mas elas não conseguiram erradicar o Catarismo de forma definitiva.

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Foi a Inquisição, a instituição que realmente conseguiu exterminar definitivamente o catarismo. No chamado País Cátaro viviam outras pessoas cuja religião era o catolicismo. Perguntado sobre como distinguir entre os hereges e os outros, o legado papal (inquisidor) respondeu:

“Matem-nos a todos. Deus se encarregará dos seus”.

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No dia 16 de Março de 1244, a seita cristã contemplativa, conhecidos por “Cátaros”, renderam-se às tropas católicas após vários meses de resistência no interior do Castelo de Montségur.

Montsegúr é uma famosa fortaleza construída num escarpado monte no sul da França, no Estado de Ariège, bem na fronteira com a Espanha.
Reconstituição do Castelo de Montségur

A última ação militar contra os cátaros foi o cerco a Montségur, em 1243. Naquela época, a Inquisição já havia provado sua eficácia para eliminar seletivamente os hereges. Depois das condenações nos tribunais inquisitórios, a Igreja usava o “fogo purificador”: de acordo com o discurso oficial, a morte na fogueira seria a única forma de salvar as almas dos cátaros.


Encurralados, os cátaros eram colocados diante da seguinte escolha: negar sua fé ou enfrentar a fogueira. De uma forma ou de outra, a religião ia sendo exterminada. Em 1321, foi executado o último sacerdote cátaro conhecido, Guillaume Bélibaste, que havia se refugiado no oeste da Espanha. Cerca de um século depois, já não se ouvia mais falar de seguidores do catarismo. Terminava assim a trajetória dos contestadores que, com humildade de caráter e simplicidade de métodos, haviam conquistado o respeito do povo – da mesma forma que os primeiros cristãos haviam feito, 12 séculos antes, na Palestina.

Foram 522, os Cátaros queimados publicamente, por se terem recusado a aceitar a fé cristã oficial, que denunciavam como corrupta não reconhecendo a Roma qualquer autoridade sobre as suas vidas. Morreram por afirmarem, entre outras coisas, que a salvação era uma responsabilidade e uma tarefa individual, que homens e mulheres poderiam pregar e que a justiça divina se manifesta na vida humana através da reencarnação.

Monumento na memória dos 200 cátaros queimados durante o sítio de Montségur (16 de março de 1244)


CRÉDITOS:
Pesquisa elaborada por: André Luiz Bezerra Borges dos Santos
Crédito das imagens: Web Google

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