GIORDANO BRUNO, o monge que defendeu a Reencarnação
“Uma vez que a alma não pode ser encontrada sem o corpo e todavia não é corpo, pode estar neste ou naquele corpo e passar de corpo em corpo” – são palavras ditas por Giordano Bruno durante seu dramático julgamento em Veneza, 1592.
“Tochas
acesas iluminavam a pálida manhã de fevereiro. Os espectadores acotovelavam-se
para ver a procissão. Aqueles oitocentos metros seriam percorridos lentamente
desde a Torre Nona, onde o prisioneiro estivera encarcerado, até o Campo das
Flores, uma praça ampla onde seria executado.
O filósofo de 52 anos caminhou vagarosamente sobre as pedras de calcário que pavimentavam as estradas de Roma. Descalço e acorrentado pelo pescoço, vestia um lençol branco ornamentado com cruzes e salpicado de demônios e chamas vermelhas.
Os monges da Fraternidade de São João, o Decapitado, caminhavam a seu lado, incitando-o ao arrependimento. De tempos a tempos, aproximavam o crucifixo dos lábios, dando-lhe a oportunidade de salvar-se. Peregrinos vindos de toda a Europa amontoavam-se na praça. Atraídos a Roma pelas celebrações do jubileu de 1600 que a Igreja faria ao longo do ano, ansiavam por ver um famoso herético morrer na fogueira. Alguns cuspiam e zombavam, enquanto os guardas despiam o pequeno e magro homem e o atavam a uma estaca de ferro circundada por feixes de lenha. Depois de o homem ter-se recusado mais uma vez a beijar a cruz, amordaçaram-no e, em seguida, empilharam mais lenha misturada com palha em volta da estaca, cobrindo-o até o queixo. Os monges cantavam ladainhas enquanto os oficiais de Roma lhe davam uma última oportunidade para retratar-se. Em seguida, atacaram fogo à pira.
Enquanto as labaredas chamuscavam-lhe a barba e os seus pulmões enchiam-se de fumaça, teria Giordano Bruno lamentado o caminho que o conduzira à fogueira? Enquanto a pele estalava e o sangue fervia nas chamas, teria ele se interrogado se essa dor se prolongaria por toda a eternidade no inferno? Ou manteve-se firme no seu sonho de ver outros sóis, inúmeros mundos celestiais e de viajar “através do infinito”?
A morte na fogueira era menos frequente em 1600 do que nos tempos medievais. Apenas vinte e cinco hereges foram queimados em Roma durante todo o século XVI. Como Giordano Bruno, que fora monge dominicano e, durante muitos anos, filósofo errante, acabou recebendo a pena máxima da Igreja?
Bruno foi morto na fogueira
devido aos seus conceitos heréticos, entre eles a ideia de que a alma humana
poderia, após a morte, retornar à Terra num corpo diferente, e até continuar a
sua evolução em muitos outros mundos além da Terra. Também defendia uma ideia
que, muitas vezes, caminha lado a lado com a da reencarnação – a idéia de que o
homem pode unir-se a Deus ao longo da jornada da sua alma na Terra. Para ele, a
religião era o processo pelo qual a luz divina “exerce domínio sobre a alma,
eleva-a e converte-a a Deus. Bruno acreditava que não era necessário esperar
pelo fim do mundo para que a união divina ocorresse. Ela pode acontecer hoje
mesmo.
Na
visão de Bruno sobre o potencial humano podemos encontrar a semente da causa
que levou o Cristianismo a rejeitar a reencarnação: sua visão abalava a
autoridade da Igreja. De acordo com o sistema de Bruno, a salvação não dependia
do relacionamento do indivíduo com a Igreja, mas sim do seu relacionamento
direto com Deus. E foi tanto neste ponto como no da reencarnação que ele entrou
em conflito com a Inquisição.
Bruno
havia sido um constante incômodo para a Igreja praticamente desde o momento em
que fora ordenado padre dominicano em Nápoles, aos 24 anos. Filho de um soldado
de carreira, não se adaptava bem à vida monástica. Era um pensador e leitor
voraz, com um temperamento irascível e propensão para irritar as autoridades.
Quando era um jovem monge, Bruno tinha ideias próprias. Defendia Ano, o herege do século IV, de quem voltaremos a falar mais tarde, e leu as obras proibidas de Erasmo, filósofo e humanista holandês. Quando a sua cópia clandestina do livro foi descoberta num anexo do mosteiro, Bruno viu-se em apuros. Devido às suas heresias, os oficiais da Igreja em Nápoles abriram um processo contra ele, o que o levou a fugir da Itália em 1 578.
Passou os quatorze anos seguintes perambulando pela França, Inglaterra, Alemanha e Suíça. Apaixonado, intenso e sarcástico, Bruno foi forçado a fugir várias vezes depois de causar grande celeuma com os seus comentários e escritos inflamados. Atacou os membros da Universidade de Oxford por apoiarem Aristóteles e ridicularizou os acadêmicos franceses. Foi julgado em Genebra por ter apontado “erros numa palestra de um teólogo calvinista”.
Tanto
a igreja católica como a protestante o excomungaram (embora, provavelmente ele
nunca tenha se tornado protestante). Porém, o seu sonho era reconciliar
católicos e protestantes através da filosofia. Discordava das suas teologias e
se autodenominava “um cidadão e servo do mundo, um filho do Pai Sol e da Mãe
Terra.
Bruno
foi um dos homens mais brilhantes do seu tempo. Instruiu o rei francês Henrique
III na arte de memorizar ensinou filosofia na Universidade de Toulouse e frequentou
o círculo literário que rodeava a rainha da Inglaterra, Elizabeth 1. Os seus
escritos prolíficos e incomuns conquistaram um número pequeno, mas devotado de
adeptos.
Ele
era muito avançado ou muito atrasado para o seu tempo. Embora Bruno não fosse
um cientista, suas ideias sobre o universo prenunciaram algumas das descobertas
dos físicos do século XX.
No
século XIX, os intelectuais reverenciaram-no como um mártir da pesquisa
científica e da liberdade de pensamento, principalmente por ter defendido a teoria
de Copérnico sobre a rotação da Terra em torno do Sol. Por isso, os inimigos
dos seguidores de Copérnico também se voltaram contra Bruno – um dos seus
inquisidores, o cardeal Robert Beilarmine, interrogaria também Galileu a
respeito de suas observações sobre a rotação da Terra em torno do Sol. Contudo,
Bruno não compartilhava da visão científica que Copérnico tinha do mundo.
Foram o misticismo e a filosofia que deram a Bruno a sua visão sobre a infinidade de mundos. Bruno concordava com Copérnico que a Terra poderia não ser o centro do universo, mas, de acordo com a sua perspectiva, o Sol também não o era. Ele acreditava que a Terra era apenas um mundo entre um número infinito de mundos.
Numa época em que a maioria das pessoas pensava que as estrelas estavam permanentemente fixas no céu, Bruno enumerou as suas crenças revolucionárias: “Existe apenas um espaço único, uma imensidão única e vasta a que podemos chamar Vácuo; nele existe uma infinidade de mundos como este em que vivemos e nos desenvolvemos. Consideramos este espaço infinito; nele existem mundos infinitos semelhantes ao nosso.
Para
Bruno, o conceito [da existência] de mundos infinitos abriu as portas para o
conceito de infinitas possibilidades humanas. Se existem mundos infinitos,
então por que não poderá haver infinitas oportunidades para explorá-los? Uma
pessoa, quer esteja dentro ou fora do corpo, “nunca está completa, escreveu
Bruno. Ela tem a oportunidade de experimentar a vida de muitas formas
diferentes. “Assim como existe à nossa volta um espaço infinito, também a
potencialidade, capacidade, receptividade, maleabilidade e matéria são
infinitas.”
(Texto extraído da obra de Elizabeth Clare Prophet O ELO PERDIDO DO CRISTIANISMO)
Comentários
Postar um comentário